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Os gestos que podem salvar Dilma Rousseff

Os protestos nas ruas do Brasil deixaram claro que os cidadãos querem direitos e não palavras

Juan Arias
La presidenta Dila Rousseff este lunes, 24 de junio de 2013.
La presidenta Dila Rousseff este lunes, 24 de junio de 2013.evaristo sa (AFP)

Antes das revoltas nas ruas do Brasil, as enquetes davam uma vantagem cômoda a Dilma Rousseff: 57%. Agora, no meio do tumulto, uma enquete entre os manifestantes de São Paulo lhe atribui 10%.

Ante o país em chamas e com a imagem afetada internacionalmente na véspera da Copa do Mundo, na sexta-feira passada a presidente fez o que tinha que fazer, ainda que talvez muito tarde: falar ao país e prometer que manteria a ordem. Fez um esforço para compreender o movimento e prometeu um pacto nacional para ouvir as reivindicações das ruas.

Apesar do esforço, as suas palavras caíram no vazio: 24 horas depois do discurso houve novos protestos com cerca de 60 mil pessoas em 12 cidades, como se ela não tivesse dito nada.

Os analistas começam a se perguntar se, caso as manifestações se prolonguem, aumentem e cheguem às vésperas da Copa do Mundo de 2014, já apelidada de “Copa das Manifestações”, Dilma conseguirá se manter no poder.

Os assessores de imagem – pagos a preço de ouro – que até então a aconselhavam escreveram o seu discurso. Desta vez fracassaram. Não perceberam que, de repente, o Brasil tinha mudado. Os velhos truques publicitários, até ontem vitoriosos, envelheceram.

As ruas tinham se manifestado contra dos políticos do “vamos fazer” e, com este lema, derrubaram os discursos cheios de promessas. As ruas não querem mais discursos nem promessas de políticos que até ontem podiam esquecê-las sem manchar a sua imagem. Hoje, querem fatos concretos. E os querem para já.

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Algo poderia salvar Dilma do incêndio e convertê-la em um fator de mudança, uma intérprete entre as ruas e o palácio, ela, cuja biografia a liga às massas rebeldes que buscam melhorias sociais?

Talvez sim, afirmam alguns sociólogos que enxergam mais do que palavras na nova linguagem de protesto por meio de gestos.

O empresário de gravata de um bairro chique de São Paulo que participou da manifestação ao lado de uma mulher simples da favela causou mais impacto do que mil discursos.

Assim como a mensagem enviada por um jovem trabalhador solidário com os protestos que não compareceu porque depois do trabalho precisava estudar para “melhorar de vida” e recuperar o tempo perdido.

Alguém chegou a pensar que, para a presidente, meia dúzia de gestos que atingissem a consciência das pessoas – como fez o papa Francisco ao assumir o cargo – seriam mais eficientes que novos discursos.

Bastou um punhado de gestos. O último deles foi quando permitiu que um rapaz cadeirante subisse no seu carro sem capota na Praça de São Pedro.

No primeiro dia do papado, bastou ele pagar pessoalmente a conta do hotel; descartar os palácios pontifícios e continuar vivendo em uma pensão simples de Roma ou trocar os sapatos vermelhos da Prada do antecessor por sapatos grosseiros de trabalhador, para o mundo voltar a se interessar pela Igreja.

Não sei quais gestos os sociólogos pensam que Dilma devia fazer para reconquistar a força política perdida, mas talvez isto seja o único que possa salvá-la.

A presidente tem antecedentes. Chegou à presidência sem os votos da classe média. A vitória veio dos “pobres de Lula”. Poucos meses depois de assumir o governo, o seu primeiro gesto ao demitir oito ministros acusados de corrupção conquistou a classe que tinha lhe negado o voto.

Granjeou fama de “faxineira da corrupção”, e a sua popularidade subiu a 80%.

Depois, compromissos políticos para manter a base de apoio a fizeram dar marcha a ré e hoje ela enfrenta as ruas, que pedem prisão para os políticos corruptos, sem a aureola de faxineira da corrupção.

Com gestos, mais do que palavras, ela terá de convencer as massas de que não é igual aos políticos difamados pelos que exigem mudanças radicais na política.

Poderia mudar o ministro da Fazenda, devido ao desgaste produzido pela crise. Poderia prescindir de 20 dos 39 ministros, na maioria desconhecidos pelas pessoas nas ruas.

Poderia contribuir para a redução radical nos salários dos políticos, os mais altos do mundo.

Por mais populista que pudesse parecer, poderia apoiar o projeto de lei de Cristovam Buarque, ex-ministro da Educação e ex-reitor da Universidade de Brasília, que obriga os que têm cargos políticos a educar os filhos em escolas públicas.

Poderia propor amanhã uma reforma política radical, um sonho antigo neste país que nem Lula, tão popular, conseguiu fazer.

Poderia, agora, reduzir drasticamente os impostos, os mais altos do mundo.

Poderia marcar distância com o presidente do Senado, contra quem foram reunidas 1,3 milhões de assinaturas exigindo a sua saída por corrupção.

Poderia apoiar a prisão dos condenados no processo do mensalão, sem que os labirintos da burocracia jurídica os mantenham em liberdade.

Talvez, a esta altura, nem os gestos mais carregados de simbolismo sejam capazes de amansar a fúria dos protestos, mas certamente os acalmariam. O que fica cada dia mais claro é que o ruído das ruas não deixa ouvir os discursos.

Os gestos podem levar Rousseff a reconquistar a força que havia reunido e que as ruas lhe tomam à velocidade da luz.

Dilma corre o risco de acabar como um bode expiatório, sacrificada no altar dos erros de toda uma classe política. Já há quem peça “volta, Lula”. Isto seria injusto, mas, como ela sabe melhor do que ninguém, nas revoluções a lógica costuma ser sepultada sob a fúria dos protestos que arrasam com tudo.

A crise econômica e os gritos nas ruas contra os políticos corruptos é um material explosivo que ela precisa neutralizar o quanto antes para que os valores democráticos, sólidos no país, não sejam ameaçados.

Tradução: Cristina Cavalcanti

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